Se impaciência é uma doença?

Escrito por 31.7.17
Tudo dá para se chamar “arte”, cada um de nós pode facilmente publicar um livro, a dislexia é a única culpada por todos os erros ortográficos do mundo. Porque então não classificar a impaciência como uma doença? Desde que me lembro sofro dela e até agora não consegui arranjar nenhum medicamento que me ajude.  

Li uma vez que alguém que não gosta de estar entediado por causa de fazer nada é menos inteligente do que aquele tipo que adora passar o tempo ao deitar-se na cama e balançar nas nuvens. Assim tenho que ser muito estúpida – a única coisa que consigo fazer na posição horizontal por mais do que cinco minutos é dormir.  

Onde fica a ligação entre atividade excessiva e impaciência? É simples: paciência deixaria só esperar por X. Esperar. Mais nada. Impaciência não apenas faz o impaciente irritado. Também força mais atividade – para não pensar sobre isso por o que se está a esperar naquele momento.  

A minha impaciência manifesta-se numa variedade de atividades diárias como:
– fazer ovos mexidos – sempre os preparo num grande fogo. Ninguém, exceto eu, não quer comer isso.
– comprar roupas – talvez seja um homem, mas não posso aguentar andar em torno das lojas só para ver roupas por mais de 40 minutos. Ter roupas é uma outra história: um vestido lindo comprado na primeira loja invariavelmente melhora o humor.

– tomar decisões – penso se a minha decisão está certa... normalmente quando já está tomada.


Podem imaginar-me, a pessoa que se irrita fazer ovos mexidos mais longo do que dois minutos, ao esperar cinco meses para se sentir de volta tão bem como se sentia antes da gravidez. Cinco. Meses. Quando se adiciona mais nove meses da gravidez o resultado é nem mais, nem menos – a eternidade. Nem preciso de explicar o que é que se passou com o meu plano de voltar a correr duas semanas antes do parto...

*** 
Contudo mesmo que o estado permanente de impaciência às vezes é inconveniente, dá uma vantagem indiscutível: a vida cheia de ação, cheia de memórias. Este traço de caráter cansativo não é tão mal.  E vocês? Também sofrem de impaciência?    

10º postal - Campo de’ Fiori

Escrito por 24.7.17



Roma, dezembro 2015

Justamente aqui, nesta praça, 
Foi queimado Giordano Bruno. 
O carrasco acendeu a fogueira 
No meio da gente curiosa. 
E mal o lume se apagou, 
Tornaram a encher-se as tabernas, 
Os cabazes de limões e azeitonas 
De novo à cabeça dos feirantes.  

(Campo di Fiori. Tradução
em: Alguns gostam de poesia.
Czesław Miłosz i Wisława Szymborska. Antologia. Lisboa 2004)
 

Sabia que quando chegar a Roma, certamente visitarei o Campo de´ Fiori. Para os polacos é uma praça conhecida não só pelo incidente, que ocorreu no ano 1600 (Giordano Bruno foi lá queimado por “heresias” que pregava – por exemplo por confiar em Nicolau Copérnico, que a Terra gira em torno do Sol).  

Campo de´ Fiori foi também mencionado num dos poemas mais famosos escritos por Czesław Miłosz, o escritor polaco de 1980 ano. O poeta na sua obra compara duas situações semelhantes: uma de século XVII em Roma com outra de ano 1943. Neste ano tinha lugar o levante do Gueto de Varsóvia, cujos resultados eram liquidação do gueto e o assassinato de seus 56000 habitantes judeus. O esquema era igual: aqueles que não sofriam não pagavam a atenção mínima para aqueles que sofriam errado.  

Quando se sabe o poema Campo di Fiori, o monumento de Giordano Bruno em Roma assume um novo significado.


*** O artigo interessante sobre Czesław Miłosz na tradução luso-brasileira podem encontrar aqui (link).
E o outro, em polaco, é uma entrevista com Czesław Miłosz e Marek Edelman (o doutor judeus que sobreviveu o levante) sobre insensibilidade durante a guerra aqui (link) (p. 4).


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