Com uma determinação nos olhos

Portugal, 2009

Não me lembro muito bem se era ele ou ela. Aliás, nem sempre é fácil reconhecer o sexo quando a criança tem mais ou menos seis anos. A única coisa que ainda – depois de sete anos – está viva na minha cabeça são os olhos dele. Ou dela. Os olhos grandes. Os maiores olhos que já vi na minha vida. São estes os quais tem o gato do Shrek são maiores mas o gato desenhado é nada mais do que uma ficção. A criança era verdadeira. E estava a olhar para mim com os seus olhos enormes e castanhos. E com ambos uma tristeza profunda e determinação neles...


– Dê-me um papel, se faz favor – pediu a criança.
– Humm? – não entendi.
– Um papeeeel, por favoooor – a tom da voz tornou-se drastico.
– Nie rozumiem, przepraszam (Não entendo, desculpa).

Mas a criança não queria desistir. Estava na minha frente e nem pensava em se ir embora. A cada segundo ficava mais e mais determinada.

– Papeeeeeel, dê-me papeeeeeeeel – implorava.

A sério, já consegui reparar que o assunto é grave mas não fazia nenhuma idea, como é que eu podia ajudar. Habituei-me às situações como assim: estar na terra onde se fala uma língua totalmente estrangeira para mim e encontrar lá as pessoas que falam só esta língua. A maioria deles não tenta mostrar com gestos o que é que quer de mim, nem fala sobre isso noutras palavras, talvez mais reconhecíeis. Em vez disso repete teimosamente o mesmo cem vezes, mais alto ou mais devagar. E eu continuo sem entender nada. E sorrio envergonhada.

Mas está situação era diferente. Sabia que a criança precisava de algo de mim e só EU é que podia resolver o problema dela. Mas só Deus sabia o que é que ela estava a repetir tantas vezes. Então ficávamos cara à cara sem a mínima compreensão uma de outra.

Finalmente o desespero da criança tinha crescido até ao nível máximo e, de repente, inventou a maneira para eu entendê-la. Disse:

– Um papel – e mostrou um rolo de papel higiénico que se encontrava na minha mão.
– Aaaaaah – finalmente percebi.
– Masz, trzymaj (Toma, segura) – dei-lho.

A criança, feliz, correu à casa de banho.


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Tudo aconteceu quando estava em Portugal pela primeira vez. Apenas por uma semana, sem saber falar. Embora a ideia de aprender português nasceu quando tinha 15 anos (sete anos antes da história com a criança), a decisão real foi tomada apenas quando voltei desta primeira viagem. Apesar de ter, desde então, mais pausas do que o tempo da aprendizagem, já sei o que significa a palavra “papel”.

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